
Levados pela carroça de seu Pai, bastante desgastada por sinal, rodas remendadas e um jegue velho por condutor, seguiam Liana e Seu Eduardo. Olhando as árvores passando, Liana imaginava-se nas ruas da cidade, como seriam os rapazes, como seriam suas concorrentes.
-Jegue velho de uma figa!!! Não viu a pedra? - Exclamou o Pai interrompendo os pensamentos fúteis da filha.
Já ia escurecendo quando chegaram a cidade de Santa Inês, o barulho do bonde e as buzinas dos carros se misturavam e davam aos ouvidos da moça um som nunca visto, confuso e irritante, paradoxalmente gostoso de ouvir. Era o som do crescimento. Do progresso.
Da entrada da rua via-se uma velha sisuda com uma lamparina na mão. Era a tia de Liana esperando-os ansiosamente.
-Mas onde estavam vocês? Que demora! Como se pode deixar uma velha tanto tempo esperando assim? Entrem! Entrem! Já estou com as pernas doendo! Não farei café! Faça você Eduardo! Já está bem crescidinho! E você menina! Trate de tomar logo um banho! Sua cara está imunda, além de feder como gambá!
Assustada Liana corre para o Pai, com o coração palpitando, dessa vez de temor. Sussura:
- Pai! Quem é esta velha? Onde está a Tia Carmosina?
- Esta é a Carmosina minha filha! – Disse desconsertado.
- Não! Não quero morar com ela!
- Acalme-se Liana, ela ficou assim depois que perdeu o esposo e o filho para a malária. Com o tempo você aprende a conviver com ela.
Depois de alimentar a filha, e com a desculpa de ter que voltar naquela noite á roça, Seu Eduardo evita as despedidas e deixa a filha com Tia Carmosina, que era alvo das brincadeiras das crianças naquela rua. Liana, sem coragem de enfrentar a velha, vai pro quarto orientada pelo Pai e tenta dormir.
Ao nascer o Sol, ouve-se estrondos na porta do quarto.
- Acorda menina!!! Inútil! Ainda dorme? Levante-se, vamos! – Grita a tia com uma voz rouca, ensurdecedora.
- Sim Tia, Já estou de pé! Um momento, abrirei a porta - Disse a educada Liana, que mesmo sendo de origem rural, tinha bons modos e sabia falar corretamente, graças à sua falecida mãe.
Ao abrir a porta a velha olhou a moça da cabeça aos pés por cima dos óculos, com um ar de desaprovação.
- Vista-se! Vamos ao comércio. Não demore.
Liana vestiu-se rapidamente, passou pela cozinha correndo e tomou goles de leite, e ajeitando-se chegou até a sala.
- estou pronta Tia. Podemos ir!
- Já não era sem tempo! Pra quê tanta exuberância? Vamos apenas à feirinha! Vamos logo!
Liana lembrou-se do que o pai havia dito e relevou a observação da tia. Seguiu até a feira sem dar uma palavra. Apenas ouvindo as reclamações da tia quanto ao barulho, ao calçamento das ruas, as crianças que a perturbavam... Enfim chegaram ao centro de vendas da cidade.
- Tome menina! Aqui está a lista do que deve ser comprado, vá e volte sem demora diga para por na conta da Carmosina. No fim do mês verei se comprou algo sem eu pedir. Vá, ficarei aqui com umas irmãs da Igreja tecendo alguns tricôs.
Tecer alguns tricôs era do que Carmosina gostava, usava esta expressão porque jamais admitiu que fosse fofoqueira, nem suas amigas beatas, mas era o que sabiam fazer de melhor. Falar da vida alheia. Em especial a do Padre Zé Bento.
Obedecendo a ordem, foi-se Liana às compras: chuchu, alface, carne de segunda, azeite, ovos, leite entre outros produtos. Andando entre a feira Liana abaixa-se para pegar um molho de coentro, ouve uma voz:
- Posso ajudar a moça?
- Sim! Quanto custa o coen... – disse levantando o rosto e parando de repente.
- O coentro?
- É.. o coentro.. – Disse, sem jeito, a jovem que nunca havia visto um rapaz tão bonito.
- Para você não custará nada. Leve! Leve também este mimo. – Deu a moça um pingente em forma de flor. Guardou entre os seios e seguiu sem olhar para trás, nunca sentiu tanta emoção junta, não sabia se alegria, nervoso ou vergonha.
Enfim terminou as compras e chamou a tia que gargalhava às custas das beatas futriqueiras, foram para casa, e mais uma vez a tia resmungava, desta vez Liana não ouvia as queixas da velha, lembrava somente dos olhos do rapaz e da sua voz, segurando disfarçadamente o coração e o pingente.
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